quarta-feira, 23 de março de 2011


"Há na pura amizade um prazer a que não podem atingir os que nasceram medíocres. A amizade pode subsistir entre pessoas do mesmo sexo a diferentes, isenta mesmo de toda a materialidade. Uma mulher, entretanto, olha sempre um homem como um homem; e reciprocamente, um homem olha uma mulher como uma mulher; essa ligação não é paixão nem pura amizade: constitui uma classe a parte.
O amor nasce bruscamente, sem outra reflexão, por temperamento, ou por fraqueza: um detalhe de beleza nos fixa, nos determina. A amizade, pelo contrário, forma-se pouco a pouco, com o tempo, pela prática, por um longo convívio. Quanta inteligência, bondade, dedicação, serviços e obséquios, nos amigos, para fazer, em anos, muito menos do que faz, às vezes, num minuto, um rosto bonito e uma bela mão!”
“O tempo, que fortalece as amizades, enfraquece o amor. Enquanto o amor dura, subsiste por si, e às vezes pelo que parece dever extingui-lo: caprichos, rigores, ausência, ciúme; a amizade, pelo contrário, precisa de alento: morre por falta de cuidados, de confiança, de atenção. É mais comum ver um amor extremo que uma amizade perfeita.”
“O amor e a amizade excluem-se um ao outro. Aquele que teve a experiência de um grande amor descuida a amizade; e quem se esgotou na amizade ainda não fez nada para o amor.”
“O amor começa pelo amor, e só se passaria da mais forte amizade para um amor fraco. Nada se parece mais com uma viva amizade do que essas ligações que o interesse do nosso amor nos faz cultivar.”
Jean de La Bruyére, in “Os Caracteres
Os Caracteres é um livro sobre a moral, escrito pelo francês La Bruyére, onde são reunidas muitas páginas de avaliação da postura do ser humano perante a vida.
Selecionei este texto porque pretendo discutir contigo sobre a amizade e a importância dela na construção do carácter das pessoas. Segundo a Wikipédia, a palavra amigo descende da expressão latina “amicus” que possivelmente se derivou de amor. Isto para dizer que andam, amizade e amor, de mãos dadas. Mas não são a mesma coisa. Ambos os sentimentos são relações afetivas. Na amizade, a princípio, não existem relações romântico-sexuais.
Dizem lá na Wikipédia: “Em sentido amplo, é um relacionamento humano que envolve o conhecimento mútuo e a afeição, além de lealdade ao ponto do altruísmo. Neste aspecto, pode-se dizer que uma relação entre pais e filhos, entre irmãos, demais familiares, cônjuges ou namorados, pode ser também uma relação de amizade, embora não necessariamente.
A amizade pode ter como origem, um instinto de sobrevivência da espécie, com a necessidade de proteger e ser protegido por outros seres. Alguns amigos se denominam “melhores amigos”. Os melhores amigos muitas vezes se conhecem mais que os próprios familiares e cônjuges, funcionando como um confidente. Para atingir esse grau de amizade, muita confiança e fidelidade são depositadas.
Muitas vezes os interesses dos amigos são parecidos e demonstram um senso de cooperação. Mas também há pessoas que não necessariamente se interessam pelo mesmo tema, mas gostam de partilhar momentos juntos, pela companhia e amizade do outro, mesmo que a atividade não seja a de sua preferência.
A amizade é uma das mais comuns relações interpessoais que a maioria dos seres humanos tem na vida. Em caso de perda da amizade, sugere-se a reconciliação e o perdão. Carl Rogers diz que a amizade “é a aceitação de cada um como realmente ele é”.”
Só corrigiria a Wikipédia quando caracteriza a amizade como um semtimento humano. Também há amizade entre outros animais. Mas pode notar que há uma correspondência na fria visão da Wikipédia com o romantismo de La Bruyére: a amizade é construída com o tempo, moldada com confiança e lealdade. Já o amor não, ele é efémero. Pode nascer tão inesperadamente quanto morre, apesar de poder criar laços de amizades imortais.
A importância da construção de amizades em nossa vida é que sempre será com nossos amigos que nos revemos, nos avaliamos verdadeiramente. Com os nossos amigos ficam guardadas as partes mais íntimas de nós e eles, os amigos, nos fazem lembrar as justificativas que tínhamos para nossas atitudes, sempre. Isto porque o amigo é também guardião de nossas vidas, das ações e das motivações.
Aos amigos não podemos, nem devemos, mentir. Senão ficam guardadas falsas lembranças e estas não são elementos de sustentação da amizade.
Como já te disse, podemos dizer e fazer tudo aquilo que quisermos, desde que tenhamos justificativa para isto. Mas poderia agora acrescentar que poderemos fazer e dizer o que quisermos, mas se nem os atos, nem as palavras, nem as lembranças, nos embaracem ao reve-las com um amigo. Nem nossos atos nem nossas palavras nos deveriam envergonhar. Se nos arrependermos de alguma coisa que fizemos ou dissemos a um amigo, é porque naquele instante não fomos verdadeiramente amigo. Não há mentira, não há pedidos de perdão, não há arrependimento nas verdadeiras amizades. Só há a verdade pois somente ela constrói amizades solidas como as montanhas.
O que posso ainda acrescentar: a amizade é cumplicidade, reconhecimento, humilde e inocente. A amizade é um serviço prestado com devoção nos momentos, sejam eles quais forem, em que o amigo precise.
Os amigos de longa data nos fazem constatar que, como tudo na vida, nós também mudamos.

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